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A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

Da alegria e seus derivados — 2

isa, 02.07.18

 

1.

Júbilo — do latim tardio iubilum, por via culta, significa “grande alegria”.

 

O iubilum era um termo popular para designar o “grito de alegria”, uma “aclamação”; designava também o grito de guerra ou de vitória bem como o cântico de alegria nas celebrações religiosas.

 

O verbo iubilare significava, em latim, “soltar gritos de alegria” e “cantar cânticos de alegria, em honra de Deus”.

 

O português jubilar significa “encher de júbilo” e utiliza-se também para designar a aposentação dada a um professor (entre nós, usa-se apenas para os professores universitários, catedráticos, a quem se concede uma aposentação honrosa — em Espanha o termo é aplicado também a outros professores não universitários).

 

Jubilação, professor jubilado.

 

Há ainda o latim iubilaeus (vindo do hebraico, através do grego) que designa uma grande solenidade dos judeus celebrada de 50 em 50 anos.

 

Daí o jubileu, ano jubileu, ano em que o Papa concede indulgências, em certas solenidades; o termo estendeu-se depois a outros aniversários solenes.

 

2.

Regozijo — manifestação de prazer, contentamento, alegria.

 

Derivado do verbo regozijar, vindo, talvez, do castelhano regocijar, que, por sua vez, estará relacionado com goce (que deu o português gozo), na sua etimologia relacionado com o latim gaudium.

 

3.

Satisfação — neste contexto da alegria, significa que temos o suficiente, o quanto baste para nos dar felicidade.

 

Do latim satisfactio  - formado de satis “suficiente”, “bastante” e da raiz do verbo facio “fazer”, quer dizer “fazer o suficiente, o bastante”, logo “ter êxito” e, portanto, estar contente.

 

4.

Aprazimento é “contentamento”, “satisfação”, “prazer” é o contentamento com algo que me é agradável, que me dá prazer.

 

Da mesma família do verbo aprazer e do adjectivo aprazível, vindos de prazer.

 

Relacionam-se com o latim placere que significa “agradar”, “ser agradável”, “parecer bem”.

 

Aprazimento será, assim, uma alegria calma, serena (a palavra é da mesma raiz de plácido (= calmo, tranquilo).

 

“O que me apraz referir é o facto de se tratar de um local plácido, uma paisagem aprazível que nos dá um enorme prazer partilhar com os amigos”

Da alegria e seus derivados — 1

isa, 01.07.18

1.

Laetitia (substantivo) e laetus (adjectivo) eram, em latim, termos da vida rústica. O verbo arcaico “laetare” significava “fertilizar”, “adubar” a terra.

 

Dizia-se que o animal era “laetus” e a terra era “laeta” para significar que o animal era gordo, que a terra era fértil. Ora isso eram sinais de contentamento para o agricultor, daí ter passado a designar esse estado de alma, essa satisfação. Se os animais eram férteis e a terra produtiva, certamente o agricultor daria um grito de alegria “laetus clamor”.

 

Contém em si a ideia de “desabrochar”, logo, de “expansão de sentimentos”.

 

O adjectivo laetus, depois da sonorização da  dental, deu o português ledo, que nos aparece no primeiro verso do soneto camoniano “aquela triste e leda madrugada” ou no episódio de Inês de Castro d’Os Lusíadas, quando se diz que “a linda Inês” estava “naquele engano de alma ledo e cego” ensinando às ervinhas dos campos do Mondego o nome do seu príncipe amado, D. Pedro.

 

Temos ainda o substantivo “ledice” (= contentamento). Ainda menos conhecido, mas também registado nos dicionários, é “letícia”, de uso poético, para significar “contentamento”.

 

Claro que uma jovem que dê pelo nome de Letícia devia ser, por princípio, uma pessoa alegre, bem-disposta, prazenteira.

 

2.

O vocábulo latino contentus para além de adjectivo é o particípio passado de contineo. Tem, portanto, em si a ideia de “conter” de “abraçar”, mas também de “refrear”.

 

Então está “contente” com alguma coisa aquele que se sente “satisfeito” (no sentido de que tem em si tudo o que lhe basta) e por isso manifesta alegria, satisfação. Está, assim, “contente com pouco”, contente com a vitória” ...

 

Na sua definição de “amor”, Camões, no célebre soneto diz que ele é “um contentamento descontente”

Já Fernando Pessoa dizia que “Ser descontente é ser homem” .

 

3.

Gaudium é outro vocábulo latino que significa “alegria”, “contentamento”, “satisfação”.

 

Nas Tusculanas, Cícero define-o como “um movimento de satisfação moderada, calma e duradoira”, mas, ao contrário, Lucrécio dá-o como “prazer sensual”, como podemos ler nos exemplos apresentados no dicionário de Gaffiot.

 

Relacionado com o verbo “gaudeo”, designa, na verdade, um prazer interior, uma alegria íntima, bem presente no poema que foi adoptado como Hino Académico “gaudeamus igitur”.

 

 “Depois de parte do Jardim do Campo Grande e do Parque Urbano do Vale da Montanha abrirem ao público para gáudio de todos os lisboetas e visitantes da cidade,” (lê-se na imprensa)

 

 4.

Por sua vez, a palavra portuguesa “alegre” deriva de outro adjectivo latino alacer, alacris, alacre que significa vivo, esperto daí a ideia de alegre e risonho, cheio de entusiasmo, bem-disposto.

 

O português   álacre é “alegre, entusiasta, vivo” como aparece no poema de António Gedeão:

 

Eles não sabem que o sonho

É vinho, é espuma, e fermento

Bichinho álacre e sedento

De focinho pontiagudo”

 

 

5.

Jovial vai mais além. Relaciona-se com Júpiter (o genitivo de Iupiter era Iovis, daí o adjectivo Iovialis).

 

Dizemos “ele é uma pessoa muito jovial” (quando queremos dizer que se trata de uma pessoa alegre e prazenteira) ; é cheio de jovialidade.

 

Num poema sobre o Melro, Guerra Junqueiro diz:

 

O melro, eu conheci-o: 
Era negro, vibrante, luzidio, 
          Madrugador, jovial; 

 

Assim cantava Natália Correia:

 

Ledo o meu amigo foi caçar no monte,
Disseram-me as aves que o esperasse na fonte.
Jovial o vento levou-me o vestido,
Soltou-me o cabelo. E o resto não digo.

 

O vocábulo e o seu sentido resultarão da linguagem da astrologia que considerava felizes aqueles que nasciam sob a influência do planeta Júpiter.

 

A palavra entrou no português através do francês que, por sua vez, o terá importado do italiano.

 

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Gaudeamos igitur!

 

Contentes, cheios de alegria e jovialidade!