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A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

Dia de Camões

isa, 10.06.10

Hoje celebramos Camões.

Talvez a muitos só interesse o feriado e pouco ou nada a obra do poeta. Esses ele não cantaria na sua obra.

 

Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

De uma austera, apagada e vil tristeza.

 

Os Lusíadas, Canto X, estância 145.

 

Teria o poeta matéria para o seu canto nos tempos de hoje? Vejamos as suas palavras:

 

Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse

A quem ao bem comum e do seu Rei

Antepuser seu próprio interesse,

Inimigo da divina e humana Lei.

Nenhum ambicioso, que quisesse

Subir a grandes cargos, cantarei,

Só por poder com torpes exercícios

Usar mais largamente de seus vícios;

 

Nenhum que use de seu poder bastante

Para servir a seu desejo feio,

E que, por comprazer ao vulgo errante,

Se muda em mais figuras que Proteio.

Nem, Camenas, também cuideis que cante

Quem, com hábito honesto e grave, veio,

Por contentar o Rei, no ofício novo,

A despir e roubar o pobre povo!

 

ibidem, Canto VII, estâncias 84 e 85.

O Fio de Ariadne

isa, 05.06.10

O Fio de Ariadne — O Labirinto — O Minotauro

 

Três expressões que estão intimamente ligadas, três expressões que nos remetem para a mitologia clássica e que muitas vezes ouvimos, associadas a realizações e a situações diversas.

 

Estamos em Creta, num tempo indefinido, como é característico dos mitos. Reinava Minos, casado com Pasífaa. Minos possuía um belo touro que lhe tinha sido oferecido por Posídon, senhor dos mares, para que ele lho sacrificasse. O rei, porém, encantado com a beleza do animal não o sacrificou. Posídon, furioso com a sua desobediência, castiga-o da pior maneira: faz com que Pasífaa se apaixone pelo touro e desse amor nasça um monstro, meio touro, meio homem, o Minotauro. Para proteger a população de Creta da fúria deste ser monstruoso, Minos chamou um famoso arquitecto, Dédalo, e encarregou-o de construir um espaço para encerrar o Minotauro do qual ele não pudesse escapar. Dédalo constrói o Labirinto onde o monstro foi encerrado. Ora, este monstro só se alimentava de carne humana, e era de Atenas que vinha o pesado tributo imposto por Minos: sete donzelas e sete jovens que eram enviadas como alimento ao Minotauro.

Um dia, porém, foi o próprio filho de Egeu, rei de Atenas, que se juntou ao grupo de jovens, disposto a matar o monstro que lhes exigia tão hediondo sacrifício. Teseu era já conhecido pelas suas façanhas (muito semelhantes àquelas que são atribuídas a Hércules), mas, apesar disso, seu pai fica inquieto com esta empresa.

 

O destino estava, porém, ao lado de Teseu.

Minos tinha uma filha, a jovem Ariadne, que, ao ver Teseu logo se apaixonou por ele e se tornou uma aliada para o seu plano. Ariadne contou com o apoio do arquitecto Dédalo que forneceu a Teseu indicações concretas sobre a forma de escapar do Labirinto. Assim, Ariadne entregou a Teseu um novelo de fio, que ele ia desenrolando à medida que avançava até ao centro do Labirinto, onde se encontrava o Minotauro. O jovem ateniense tinha, contudo, um compromisso: ao sair teria de levar consigo Ariadne e casar com ela. Claro que Teseu tudo prometeu. Entrou no Labirinto, travou uma dura luta com o Minotauro, matou-o e saiu, seguindo o fio que Ariadne lhe tinha dado. Esse foi o fio condutor, aquele que lhe indicou o caminho para a vida, para a salvação. 

Salvos do Labirinto, Teseu e os outros jovens atenienses dirigem-se ao porto, levando Ariadne.

Navegando em direcção a Atenas, param na ilha de Naxos. Aí Teseu abandona a jovem.

A lenda tem neste ponto duas versões diferentes. Uma diz que Teseu partiu enquanto Ariadne dormia. Assim a terá encontrado o deus Dioniso que a reconfortou. Uma outra versão conta que, enquanto Ariadne descansava, Teseu se dirigiu ao barco e foi arrastado por ventos fortes e que, quando mais tarde regressou à praia para a procurar a encontrou morta.

 

Por este acto também o jovem Teseu é castigado.

 

Acontece que à saída de Atenas tinha combinado com o pai, Egeu, que, se a empresa tivesse êxito, traria velas brancas, que o rei avistaria enquanto o aguardava na Acrópole, de onde poderia ver ao longe os barcos que regressavam. Se, porém, os barcos voltassem sem o seu filho, trariam içadas velas negras. Ora, na confusão da partida, ou porque Teseu ficou perturbado com a morte de Ariadne, o jovem esqueceu-se de tirar as velas negras e foram essas que Egeu avistou. Perturbado, o rei viu nisso o sinal de que seu filho não escapara e atirou-se ao mar. 

 

Por isso o mar passou a chamar-se EGEU.

In Memoriam

isa, 03.06.10

Faleceu João Aguiar.

O jornalista, o escritor, o exímio cultor da língua portuguesa que nos deliciava com as suas crónicas de fina ironia, com o seu espírito crítico sempre atento, com as suas narrativas que entusiasmavam o leitor, faleceu hoje, com 66 anos de idade.

 

Recordamos, a propósito do título deste blog, e porque permanece actual, um texto seu de 2005:

" Há já algum tempo, Isabel II de Inglaterra, falando em público, referiu-se a um ano particularmente doloroso para a monarquia britânica chamando-lhe annus horribilis. Não tardou que um jornalista português escrevesse, em tom chocarreiro, que a rainha, para disfarçar as embrulhadas da família, recorrera ao "latinório".

Latinório. É um termo muitíssimo expressivo. Usado essencialmente pelos labregos que ficam nervosos quando têm de ler qualquer coisa, nem que seja um boletim meteorológico, e também pelos analfabetos funcionais, mais bem vestidos que os anteriores mas igualmente primitivos sob o seu débil verniz, que sentem imediatos sintomas de urticária sempre que lhes cheira a cultura, sob qualquer forma e espécie. É, pois, um termo expressivo e também particularmente revelador; porque a língua portuguesa, como alguns (ainda) sabem, provém justamente do Latim, esse Latim a que se chama, com desprezo, latinório. Entrou-se, portanto, na fase de cuspir no chão da sala e insultar a própria mãezinha.

Isto sucedeu, como referi, há já alguns anos. Entretanto, o tempo correu e tivemos, nós, Portugueses, um annus horribilis (digo só "um" porque sou incuravelmente optimista), [...]. E depois, agora, pela mão do actual Governo, chega-nos, entre outros benefícios, o Choque Tecnológico. No qual eu incluo (perdoem-me se a interpretação está errada) duas linhas importantes de discurso e de acção: o alargamento e o aperfeiçoamento do ensino do Inglês e do ensino da Matemática.   [...]

Assim sendo, há outras matérias, para além da Matemática e do Inglês, que interessaria não varrer das nossas escolas. E é aqui que, por assim dizer, voltamos ao annus horribilis.

Não vou explicar aos leitores os pormenores da estrutura curricular nem os Mistérios do Ministério da Educação. Confesso que não os entendo muito bem. Mas sei que o ensino do Latim e do Grego clássico está a ser reduzido à expressão mais simples, a da inexistência. Por enquanto, são meramente opcionais, e somente em certas áreas — mas dizer isto é dizer pouco. Por vias da já referida estrutura curricular e dos já mencionados Mistérios, o que acontece, hoje, é que um(a) estudante pode querer aprender Latim ou Grego — e tal opção ser-lhe recusada pela força da circunstâncias concretas. Ou seja: o opcional é relativo.

Curiosamente, e por muito estranho que pareça às mentes esclarecidas que se riem do "latinório", o Latim continua a ter bom uso em Direito. E por também estranhíssimo que lhes pareça, um conhecimento ainda que reduzido, desta língua é de grande utilidade na compreensão do Português.

Bem sei que, para essas mentes, tal compreensão não tem a mínima importância: o que é preciso é que a gente se entenda, ainda que seja somente através de onomatopeias. Sucede, porém, que, regra geral, quem não é capaz de uma linguagem coerente e clara também não é capaz de um pensamento escorreito, ou seja: quem escreve e fala mal tende a pensar mal. E para esses não há choque tecnológico que valha. [...]

Neste ponto do discurso, devo dizer que, do fundo da minha humildade, aplaudo com vigor os esforços em prol do Inglês e da Matemática. [...]

Com igual humildade, porém, atrevo-me a lamentar a discreta mas eficaz ofensiva contra o Latim e o Grego. Porque, afinal, nós, como todos os ocidentais, temos uma enorme parte das nossas raízes em Roma e na Grécia. Se as cortarmos, secaremos. É tão simples como isso. ..."

João Aguiar, Super Interessante, nº 86, Junho de 2005

 

 

João Aguiar é autor de uma vasta obra literária. Destacamos alguns títulos: A Voz dos deuses - memórias de um companheiro de armas de Viriato; A Hora de Sertório; Uma Deusa na Bruma.

Aurea Mediocritas

isa, 01.06.10

Recta vida, Licínio, crê, não há-de

ser sempre navegar no alto mar,

nem, temendo de mais a tempestade,

só perto dos rochedos navegar...

 

Quem 'scolhe a regra de ouro mediana

é que evita afinal, com segurança,

tanto o horror da sórdida choupana

como o palácio cuja luz nos cansa.

 

O pinheiro mais alto é que mais vezes

p'la fúria do vento é açoutado;

tombam as torres em razão do peso;

dos montes só o cimo é fulminado.

 

Sabe que o peito forte, na fortuna,

é que teme a desgraça; mas, na treva,

não deixa de ter esp'rança... Tudo muda:

o Inverno Jove o traz; depois o leva...

 

O bem pode nascer do mal de agora.

Às vezes, quando menos se imagina,

Apolo com a lira a Musa acorda;

e nem sempre seu arco ele utiliza.

 

É ante o infortúnio que valente

e mais firme te deves ir mostrando.

Segura bem as velas, se és prudente,

quando o vento demais as for inchando...

 

HORÁCIO, Odes (tradução de David Mourão-Ferreira)

A actualidade do Latim

isa, 01.06.10

Para provar a actualidade do Latim basta, por vezes, folhear a imprensa, ou até, mais actualizado ciberneticamente, percorrer algumas páginas da Internet.

 

Parece mais uma questão de moda. No momento em que o estudo da língua latina está tão afastado do nosso sistema de ensino,  a sociedade em geral e os meios de comunicação em particular, estão com uma enorme apetência para a língua latina, com citações, com os nomes dados às mais diversas criações artísticas e outras.

 

Ainda agora, numa simples passagem pelos blogs da sapo, dois nomes me chamaram a atenção: aurea mediocritas e o fio de Ariadne. É a língua latina e a cultura clássica a dar o mote para algumas páginas de escrita acerca de assuntos variados. 

 

O fio de Ariadne remete-nos para a mitologia grega, lembra-nos o labirinto de Creta, o mito do Minotauro e as façanhas de Teseu. É também uma história de amor e de traição, de valentia e de coragem, de luta pela justiça. Este fio permitiu a Teseu encontrar a saída do labirinto, depois de cumprida a missão de matar o monstro Minotauro. Ficará para depois a narrativa da história completa.

 

Aurea mediocritas, literalmente "mediania dourada", é um tema recorrente na literatura clássica que, por influência de Horácio, poeta latino do século I a.C., passou aos nossos renascentistas e influenciou poetas de outras épocas, como Ricardo Reis, o heterónimo pessoano. É um ideal de vida simples, nada desejando em excesso, gozando a felicidade do contacto com a mãe natureza e com aquilo que ela nos dá.

 

Do Diário de Coimbra de hoje ressaltam vários nomes. Uma página intitulada Momentum, fala-nos de Tales de Mileto, o filósofo e cientista grego. Mais adiante, o lançamento de uma revista de história com o título Ipsis Verbis e uma vitoriosa associação dedicada ao desporto chamada Domus Nostra.

 

momentum: movimento, impulso; peso (aquele que faz pender o prato da balança); momento (de tempo), instante

ipsis verbis: pelas próprias palavras (usa-se quando queremos transmitir aquilo que nos foi dito, ou que foi lido, com exactidão, usando exactamente as palavras que outro usou, sem alteração)

domus nostra: a nossa casa (confronte-se com terra nostra, mare nostrum... )