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A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

De inocente a culpado

isa, 25.05.10

Voltando à etimologia:

 

O vocábulo português inocente deriva do particípio presente latino de um verbo composto com o prefixo in- . O verbo simples nocere significa "fazer mal a alguém", "prejudicar". Então, nocentes são aqueles que fazem mal a alguém, que prejudicam os outros; o contrário destes é o innocens, aquele que não faz mal, que é inofensivo. Em português temos apenas o vocábulo na negativa: inocente é, portanto, aquele que não prejudica ninguém, que não faz mal, inofensivo e, assim, honesto, virtuoso.

 

À mesma família pertence o adjectivo innocuus, com o mesmo significado de inocente, inofensivo, inócuo, o contrário deste, nocivus, que significa nocivo, perigoso e o substantivo innocentia.

 

O adjectivo noxius, bem como o seu contrário innoxius e o substantivo noxa, são palavras da mesma família lexical. Daí os compostos portugueses: obnóxio, inóxio, abnóxio.

O significado das palavras

isa, 13.05.10

A etimologia, isto é, o estudo da origem das palavras, ajuda-nos a perceber o seu significado e a discernir, muitas vezes, a sua especificidade. Há, na nossa língua, palavras que, à primeira vista, parece que nada têm a ver umas com as outras. No entanto, se procurarmos a sua origem, veremos que têm uma raiz comum.

 

Assim, à primeira vista, parece que as palavras "pecuária" e "pecuniário" nada têm em comum. Pois se "pecuária" se refere à criação e tratamento de gado e se "pecuniário" diz respeito a  dinheiro, que semelhança pode haver entre elas?

 

É aqui que a língua e a cultura latinas nos ajudam a perceber que em ambos estes vocábulos está a palavra "pecus", que em latim significa "gado", "cabeça de gado". Não admira, então, a palavra "pecuária".

Ora, antes do aparecimento da moeda, a riqueza media-se pelo número de cabeças de gado, daí a palavra latina "pecunia", que significa "riqueza" e que mais tarde, depois da cunhagem da moeda (que, no início, tinha gravada a cabeça de um animal), passou a significar  "dinheiro". Do substantivo "pecunia" vem o adjectivo "pecuniarius", que deu o português "pecuniário".

 

Outras palavras da mesma família podíamos encontrar.

Na antiga Roma, ao escravo que guardava o rebanho do seu senhor era concedido um pequeno número de cabeças de gado, que eram propriedade sua (e que depois podiam servir para ele comprar a sua liberdade). Era o seu "peculium" (vindo de "pecus", gado). Daí que a palavra "peculium" passasse a significar as pequenas economias do escravo, depois os bens próprios da mater familias e dos filhos, estendendo, mais tarde, o seu significado para "posses", "bens" em geral.

É esta a origem do vocábulo português "pecúlio", isto é, "o dinheiro acumulado pelo trabalho de cada um", "as economias".

 

E desta mesma raiz vêm  também as palavras peculato e peculiar.

 

Ora, neste tempo de crise, tendo o nosso país características muito peculiares, embora saibamos que, muitas vezes, o peculato é a causa do problema, convém que cada um tenha o seu pecúlio porque os tempos que se avizinham não vão ser fáceis no sector pecuniário.

E Pluribus Unum

isa, 09.05.10

Festeja-se a vitória do Benfica. O Benfica é campeão. Por isso recordamos o seu lema: e pluribus unum. Trata-se de uma expressão latina, adaptada de um poema que faz parte da "Appendix Virgiliana", uma colecção de poemas latinos, poemas curtos, na sua maior parte da época de Virgílio, o grande poeta do século de Augusto (século I a.C.). Muitos destes poemas foram atribuídos a Virgílio, mas não é certo que a maior parte deles seja, verdadeiramente, do grande épico, autor da Eneida.

 

Nessa colectânea há um poema com o título "Moretum", nome de uma iguaria, certamente muito apreciada na época, feita de erva, alho, queijo e vinho. No poema, do género épico e ligeiramente paródico, fala-se de um agricultor que prepara a sua comida, com os produtos que trouxe da horta, e se dispõe para uma nova jornada de trabalho. A mistura dos ingredientes dá ao seu prato um colorido especial, de tal modo que as muitas cores se dissolvem e parecem formar uma só, "color est e pluribus unus".

 

A expressão "e pluribus unum" foi adoptada como lema dos Estados Unidos da América, em 1776, simbolizando a união de todos os estados num só, a aliança de todas as cores e de todas as raças.

 

Assim é o lema do clube que hoje se sagrou campeão. Isso só foi conseguido com a união de todos. Custou, só mesmo na última jornada tiveram a certeza. É mais um título no curriculum.

 

Isto lembra-nos outras expressões latinas:

labor omnia vincit: o trabalho tudo vence.

ad augusta per angusta : quer dizer que só com trabalho, superando as dificuldades, conseguiremos o êxito.

aquila non captat muscas: a águia não apanha moscas (o mesmo é dizer: as pessoas importantes não se ocupam de ninharias).

philosophum non facit barba: a barba não faz o filósofo (como quem diz: o hábito não faz o monge)

Estudar latim — Para quê? (2)

isa, 03.05.10

Sendo o Latim a língua-mãe do português, o seu estudo é necessário para melhor compreendermos a nossa língua. Saber latim ajuda-nos a enriquecer o nosso vocabulário, fortalece as nossas competências na língua materna, quer ao nível da compreensão, quer ao nível da expressão escrita. O estudo dos textos latinos desenvolve as nossas capacidades de análise, de reflexão sobre a língua, tão úteis no quotidiano em todas as situações de leitura e de escrita. E a par do estudo da língua latina está o estudo da cultura, a cultura greco-romana que enforma toda a cultura ocidental. 

 

A língua latina está sempre a ser usada mesmo por aqueles que nunca a estudaram ou que dizem que o seu estudo não é necessário. Quando dizemos que alguém não entrou na Universidade por causa do "numerus clausus" ou vamos fazer um exame "ad hoc", ou aderimos ao "simplex" do governo para acabar com a burocracia, estamos a falar latim. Um suspeito de crime apresenta o seu "alibi", e o seu cúmplice "idem" aspas, diremos nós. Mas fazer alguma coisa de concreto para modificar determinada situação fica adiado "sine die" ou mesmo para as "calendas gregas". É assim...  o latim e a cultura clássica estão sempre presentes. 

Estudar Latim — Para quê?

isa, 01.05.10

Muitos perguntarão, certamente, para que serve estudar uma língua que não se fala. Nada mais errado. A língua latina, para além de ser uma língua de cultura, continua a ser falada e escrita em muitas circunstâncias. Na Finlândia, um país que não fala uma língua de origem latina, há um noticiário radiofónico em latim, com notícias da actualidade — pode ser consultado em yleradio1.fi/nuntii . Muitas são as páginas da internet escritas em latim, o face book também pode ser consultado em latim, etc. E todos os anos há vários seminários de férias onde só se fala em latim. E isto acontece mais nos países de língua germânica do que nos países de língua derivada do latim.