Uma história em imagens — Ifigénia
Na sequência do texto anterior (aqui) falarei hoje de mais uma história contada em imagens.
Trata-se da história de Ifigénia (em grego : Ἰφιγένεια, nome que tem na sua formação o advérbio ἶφι que significa "com força", "com valor" e o substantivo γένος "nascimento", "raça", "origem" — Ifigénia será, portanto, de uma origem cheia de força, de uma raça valorosa).
Na mitologia grega, Ifigénia era a filha de Agamémnon e de Clitemnestra e foi sacrificada pelo pai para aplacar a ira de Ártemis que impedia a partida da armada para Tróia.
Nas Metamorfoses conta-nos Ovídio que:
"Quando a dor da afronta de um só assolou os Dánaos todos,
mil navios encheram a baía de Áulis, defronte de Eubeia.
Muito tempo aguardaram vento para a frota, mas vento algum
se ergueu, ou então era contrário. A Agamémnon cruel profecia
ordena que sacrifique a inocente filha à desapiedada Diana.
(Ovídio, Metamorfoses, XIII, 181-185 - tradução de Paulo Farmhouse Alberto, Livros Cotovia)
Reunida a armada em Áulis, pronta a partir para Tróia, para vingar a ofensa do rapto de Helena, Agamémnon terá ofendido Ártemis (Diana para os Romanos), quando, numa caçada, se julgou superior à deusa. Como vingança, a ausência de ventos, ou ventos contrários impediam a partida da armada. Perante a impaciência de todos, é consultado o adivinho Calcas que lhes diz que a cólera da deusa só terminará com o sacrifício da filha de Agamémnon, Ifigénia. Ainda que resistindo a tal horror, Agamémnon é pressionado a cumprir a exigência de Ártemis e manda vir de Micenas a filha, com o pretexto enganoso de a casar com Aquiles. Porém, quando a jovem estava prestes a ser sacrificada no altar de Ártemis, a deusa teve piedade dela e substituiu-a por um veado, tendo-a levado para Táuris para ser sacerdotisa no seu templo (esta história será contada noutro post).
Continuamos com Ovídio:
" ............ e Ifigénia, prestes a dar seu casto sangue,
estava de pé, diante do altar, entre os oficiantes em lágrimas,
a deusa cedeu e tapou o olhar de todos com uma névoa. A meio
da cerimónia, do alvoroço do sacrifício e das vozes das orações.
diz-se que ela trocou a jovem de Micenas por uma corça."
(Ovídio, Metamorfoses, XII, 30-34 - tradução de Paulo Farmhouse Alberto, Livros Cotovia)
Vejamos a história retratada num fresco de Pompeios, que se conserva no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles — O sacrifício de Ifigénia (Casa do Poeta Trágico, fresco do séc. I d.C.):
imagem da net
Aqui vemos Ifigénia a ser levada para o sacrifício por Ulisses e Diomedes, tendo ao lado o adivinho Calcas; a jovem, de braços levantados, parece pedir piedade à deusa; no canto esquerdo, o pai, Agamémnon, tapa o rosto para esconder a dor; na coluna vemos a representação da deusa, ladeada pelos cães, visto ser a deusa da caça; no céu aparece Ártemis, trazendo consigo o veado que irá sacrificar em vez de Ifigénia.
Esta história, retratada por Ovídio e por Eurípides terá inspirado também o pintor do século XVIII, Giambattista Tiepolo, que assim representou a cena, numa sala da Villa Valmarana, em Vicenza, em 1757:
imagem da net
Ao centro vemos o sacerdote pronto a sacrificar a jovem, enquanto ao lado aparece Ártemis com o veado para o colocar no lugar de Ifigénia, perante o olhar de espanto de todos os presentes; só Agamémnon não olha, mas cobre o rosto com o manto para esconder o seu sofrimento.
Na literatura grega, é Eurípides que trata este tema nas suas tragédias. Em Ifigénia em Áulide, a jovem oferece-se heroicamente ao sacrifício:
Em círculos dançai, à volta do templo,
à volta do altar, em honra de Ártemis,
da soberana Ártemis,
a bem-aventurada, pois que — assim é preciso —
com o sacrifício do meu sangue
os oráculos apagarei.
Eurípides, Ifigénia em Áulide, 1480-1485.
— em tradução de Carlos Alberto Pais de Almeida, também ele vítima inocente de uma guerra, em terras africanas; publicação póstuma do Instituto de Alta Cultura e do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 1974.
Também Sophia de Mello Breyner lhe dedica um poema.
Ifigénia
Ifigénia levada em sacrifício,Entre os agudos gritos dos que a choram,Serenamente caminha com a luz,E o seu rosto voltado para o vento,Como vitória à proa dum navio,Intacto destrói todo o desastre.in Coral - Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética, Caminho, 2010.