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A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

Saber Latim - língua de cultura

isa, 27.02.23

"O Latim não é simplesmente um idioma, é uma porta para o conhecimento" — afirma Emílio del Rio, professor de Filologia Latina na Universidade Complutense de Madrid, ao jornal El Correo, de Miranda do Ebro, de 24 de Fevereiro de 2023 (a notícia pode ser lida aqui).

Na verdade, "não é possível falar de cultura sem falar dos clássicos, da cultura greco-latina, a semente e a raiz de todos os saberes. Da filosofia à retórica e ao direito, das artes plásticas à poesia, os autores gregos e romanos são a fonte onde sucessivas gerações vão beber. E nenhum modernismo ou choque, artístico ou tecnológico, pode sequer pensar em pôr de parte esta herança milenar que, sempre, ainda quando abertamente negada e atacada, está na base de qualquer conhecimento, actualizado e renovado em todas as épocas" (I. M. 2008).

E, como diz o professor Emílio del Rio:

"Leer a los autores clásicos es el mejor manual de autoayuda que puedas encontrar, pero de autoayuda real para tu día a día, no un manual de esos para que te crezca el pelo".

Por isso, sigamos o conselho do grande poeta:

Dimidium facti, qui coepit, habet; sapere aude,
incipe
(Horácio, Ep. I, 40)

"O que começou tem já metade do feito; ousa saber,

começa!"

Sabendo que:

  • Nemo potest omnia scire — Varrão, De Re rustica - Ninguém pode saber tudo.mas:
  • Nihil dulcius quam omnia scire — Cícero — nada mais agradável do que saber tudo.
  • Vt sementem feceris, ita metes — Cícero, De Oratore — Conforme fizeres a sementeira, assim colherás.

Neologismos: solastalgia

isa, 03.03.22

O Latim e o Grego estão na base da língua portuguesa, mas também de outras línguas, mesmo as de origem não românica. E, quando é preciso criar palavras novas para designar novas realidades, é ao Grego e ao Latim que qualquer cientista (seja qual for a sua área de investigação) ou filósofo recorre de imediato.

Foi assim com o neologismo: solastalgia. Da sua origem nos fala a professora de filosofia belga Pascale Seys numa das suas crónicas semanais na Musiq3 - uma estação de rádio de Bruxelas, que pode ser ouvida aqui :

As primeiras palavras do Génesis contam o começo do universo simultaneamente ao nascimento da linguagem como para significar que os seres e as coisas, os nossos sentimentos e as nosas representações não adquirem uma existência e uma consistência reais senão quando se exprimem no campo da linguística. É o que afirmava o historiador das ideias Jean Starobinski  a propósito de um neologismo culto aparecido no século XVIII que tem a ver com uma languidez emotiva, um estado doentio cujos contornos foram definidos a partir da língua grega  e que acaba de reaparecer sob uma forma nova, tal como uma personagem de romance, para descrever um sentimento contemporâneo, ligado ao que se chama hoje, a eco-ansiedade.

Construída sobre uma associação de termos gregos, o desejo de voltar a casa  nostos e a dor de estar afastado dela algos, a nostalgia aparece pela primeira vez numa tese de medicina em 1688  para descrever um sentimento doloroso que se traduzirá por “Heimweh” em alemão e “Homesickness” em inglês a fim de descrever uma perturbação psicológica de consequências graves, que afecta os soldados e os migrantes no seu desejo de regressar à sua pátria. Um e outro sentem uma melancolia ligada ao lugar de origem , uma necessidade e uma falta do “chez soi (em sua casa)”, conhecido sob o termo de “mal du pays”, que conhecem também aqueles e aquelas que mudam de cidade e de paisagens, e aqueles e aquelas que mudam de casa. A nostalgia descreve pois o desejo de voltar a casa ou a si, ao seu país, de reencontrar os gostos da cozinha local  e a tranquilidade de dambular num território conhecido, privação dolorosa que nenhum medicamento permite tratar nem aliviar.

Desde Hesíodo, nos Trabalhos e Dias, depois em Virgílio e Ovídio que os seguem, os gregos dispunham eles também de uma palavra destinado a exprimir um sentimento de saudade  ou de melancolia ligado à recordação de um passado melhor, a que eles tinham chamado idade do ouro.  A idade do ouro, entendida como um tempo de inocência, de prosperidade e de felicidade. O tempo mítico da Idade do ouro era o de uma primavera eterna: as colheitas eram abundantes, os homens alimentavam-se de frutos e não matavam nem os animais, nem os outros homens, viviam sem conhecer a guerra, do mesmo modo que as portas das casas e das cidades não existiam porque o roubo e o instinto de propriedade não existiam. Mas eis que longe da idade do ouro, a nostalgia já não é o que era. Ecoando sempre, o canto melancólico dos nostálgicos do mundo de antes, como um neologismo fez a sua aparição  num registo destinado a traduzir ao presente  uma espécie de tristeza face ao desafio que o futuro representa.  A solastalgia é um conceito que foi criado sobre o modelo de nostalgia pelo filósofo australiano do ambiente Glenn Albrecht, que associou uma raiz latina “solacium” e um sufixo grego “algos” para descrever não tanto “o mal do país”  mas “um mal do país sem exílio”  como o definiu o filósofo da biodiversidade Baptiste Morizot. Face à mudança climática, face à desaparição das espécies e às feridas que o hipercapitalismo inflige ao ambiente, o nosso futuro parece sem “futuro” e a terra assemelha-se a um refúgio incerto. É isto a solastalgia: uma tristeza, um pesar, uma depressão “verde”, que é tida como um sintoma maior face ao sentimento de perda que a terra constitui, um abrigo e um recanto de mundo habitável para a harmonia dos seres vivos.  E eis como palavras e mitos  voltam   à nossa memória. A solastalgia lembra-nos que através  do grego e do latim que nós falamos sem o saber, é o mundo de antes que o passado nos dá a ver.

Das palavras e seus adventícios sentidos

isa, 30.11.20

A Igreja Católica entrou no período do adventoad-ventus — um período que prepara a chegada do Natal, o nascimento de Cristo - dies natalis Christi (dia do nascimento de Cristo).

O latim adventus "chegada", "aproximação" relaciona-se com o verbo ad-venire ( venire "vir" + o prefixo ad ), logo, advenire significa "vir para", designa uma aproximação de algo/alguém que vem de um lado para outro. Daí o português advir, advindo, razão para recebermos os adventícios, os que vêm de fora, desde que bem intencionados.

Mas os adventícios, quando acessórios nas palavras, como é o caso dos prefixos, trazem confusões, alterações de sentido a que é preciso estar atento.

Daí que o evento que se aproxima não seja um invento recente. E aí temos nós a diferença destes "adventícios":

No evento temos também o verbo latino venire "vir", mas agora o prefixo vem dar-lhe um outro sentido. O acontecimento já não vem de fora para dentro, mas vai para fora — o sentido do prefixo e/ex — .

Do latim eventus (e+venio) significa acontecimento, algo que saiu e se destacou; é uma ocorrência, algo ocasional, que pode ser favorável ou desfavorável, que pode significar êxito ou insucesso.

Os eventos de sucesso comemoram-se, por vezes, e há festas e reuniões, por isso nasceram os organizadores de eventos... E propõem-se eventos festivos, concertos, espectáculos.

Já o invento é mais complexo, pressupõe novidade, algo não conhecido até então, um "achado" que alguém "encontrou" com a sua experiência, com a sua imaginação, com o seu trabalho e investigação.

Do latim inventum (in+venire) "vir sobre alguma coisa", "encontrar", "descobrir", daí "inventar", "imaginar".

Sendo, à partida, algo sério e importante, também há quem invente mentiras, quem tenha uma grande inventiva, isto é, grande facilidade de imaginar coisas, que espalha como se fossem verdadeiras; mas os inventivos são muito importantes, pois são esses inventores que, com as suas invenções  fazem progredir e avançar o mundo, sempre com coisas novas.

Para não desanimarmos com os eventos deste ano de 2020, convém fazermos o inventário das coisas boas que aconteceram e, com esse registo, esse catálogo de eventos, talvez a nossa alma se anime um pouco e esqueçamos as invencionices que a cada dia nos aparecem nesta invenção do século, as redes sociais de invencioneiros.

E mais longe nos levaria esta numerosa família, numa eventual ligação surgida a qualquer momento entre vocábulos, sejam filhos, irmãos, primos, de primeiro ou terceiro grau, numa superveniência constante, que nos sobrevem deste gosto pelo estudo das palavras e suas etimologias.

BISSEXTO

isa, 25.02.20

Hoje é o dia que os antigos Romanos contavam duas vezes.

Hoje 25 de Fevereiro, pela segunda vez 24.

Esquisito??!

 

Segundo o antigo calendário Romano, estamos no sexto dia antes das Calendas de Março (contando ontem e hoje duas vezes). Porquê?

Foi Júlio César que, no ano 46 a.C., por conselho do matemático Sosígenes, da escola de Alexandria, fez a grande reforma do calendário, criando o ano de 355 dias divididos em 12 meses.

Nesse ano de 46 a.C., o ano teve 445 dias para tentar acertar o calendário lunar com o solar. 

A partir de Janeiro de 45 a.C., o ano passou a contar 365 dias, divididos em 12 meses: Ianuarius, Februarius, Martius, Aprilis, Maius, Iunius, Quintilis (Iulius), Sextilis (Augustus), September, October, Nouember, December. Cada mês tinha mais ou menos os mesmos dias que o calendário actual.

 

Como continuava a haver um desajuste, embora menor, introduziu-se também o ano bissexto, no início de três em três anos, acrescentando um dia ao mês de Fevereiro. Esse acrescento foi feito repetindo o dia 24 de Fevereiro. E por que razão o dia 24 de Fevereiro?

 

A 23 de Fevereiro os Romanos celebravam, tradicionalmente, Término, o deus dos limites, das fronteiras. Em sua honra celebravam-se cada ano as Termalia, no sexto dia antes das Calendas de Março, visto que Março era o primeiro mês do ano. Para que estas contas tradicionais não fossem alteradas, César acrescentou o dia extra repetindo o dia 24 de Fevereiro — assim, contavam duas vezes o dia 24.

Como, de acordo com a contagem dos dias do mês para os romanos, este era o sexto dia antes das Calendas de Março, era bis (duas vezes) o sexto — daí a palavra bissexto que passou a designar o ano.

Família de palavras

isa, 27.01.20

Na etimologia dos vocábulos, encontramos o seu significado profundo. Vejamos alguns exemplos:

— doceo,  docere “ensinar” — verbo causativo “fazer aprender”

   Verbo causativo é quele verbo que exprime a ideia de que o sujeito da oração causa a acção ou processo expresso pelo verbo

Portanto, na acção do verbo está implícita a intervenção do "professor", daquele que ensina,

— o docente, palavra derivada do particípio presente deste verbo "aquele que ensina"

— o doctus é aquele que aprende, é o instruído, o douto

— logo, o indoctus é o que não aprende, é aquele que não sabe

— doctor, doctoris é o mestre, aquele que ensina

— um documentum é uma lição, um exemplo, uma demonstração; por isso uma prova

— doctrina é instrução, é formação teórica, são os conhecimentos inculcados através do ensino;  é ciência

— docilis é aquele que está disposto a aprender, o que se deixa instruir; logo, dócil, flexível

 

Pompeios — a história sempre em actualização

isa, 16.10.18

A arqueologia está sempre a trazer novos conhecimentos sobre o passado. As últimas descobertas em Pompeios trazem novidades em relação à data da erupção do Vesúvio, no ano 79 d.C.

Um grafito encontrado numa habitação levará a datar a destruição de Pompeios pela erupção do vulcão, não no dia 24 de Agosto, como até agora se pensava através da narração de Plínio, mas em Outubro.

 

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Captura de ecrã 2018-10-16, às 14.52.40.png

Imagens copiadas daqui e daqui

 

Este grafito, encontrado numa casa que estava em restauro na altura, refere a data de 16 dias antes das calendas de Novembro, isto é, 17 de Outubro. Ora, segundo os arqueólogos, estas inscrições do quotidiano eram feitas em carvão vegetal o que, dadas as suas características, leva a concluir que só poderiam ter sido feitas cerca de uma semana antes da erupção, logo, a 24 de Outubro.

 

Além disso, havia dois factos que, até agora, intrigavam os estudiosos:

-  a análise das vítimas apontava para o uso de roupas quentes, o que não encaixava numa data de Verão, mas já de Outono;

- a abundância de romãs, fruto que amadurece no Outono e não no Verão.

 

Razões para esta discordância de datas em relação à carta de Plínio o Jovem? Talvez o erro de algum copista medieval ao transcrever a carta de Plínio.

 

A notícia pode ser lida aqui e aqui.

 

Da alegria e seus derivados — 2

isa, 02.07.18

 

1.

Júbilo — do latim tardio iubilum, por via culta, significa “grande alegria”.

 

O iubilum era um termo popular para designar o “grito de alegria”, uma “aclamação”; designava também o grito de guerra ou de vitória bem como o cântico de alegria nas celebrações religiosas.

 

O verbo iubilare significava, em latim, “soltar gritos de alegria” e “cantar cânticos de alegria, em honra de Deus”.

 

O português jubilar significa “encher de júbilo” e utiliza-se também para designar a aposentação dada a um professor (entre nós, usa-se apenas para os professores universitários, catedráticos, a quem se concede uma aposentação honrosa — em Espanha o termo é aplicado também a outros professores não universitários).

 

Jubilação, professor jubilado.

 

Há ainda o latim iubilaeus (vindo do hebraico, através do grego) que designa uma grande solenidade dos judeus celebrada de 50 em 50 anos.

 

Daí o jubileu, ano jubileu, ano em que o Papa concede indulgências, em certas solenidades; o termo estendeu-se depois a outros aniversários solenes.

 

2.

Regozijo — manifestação de prazer, contentamento, alegria.

 

Derivado do verbo regozijar, vindo, talvez, do castelhano regocijar, que, por sua vez, estará relacionado com goce (que deu o português gozo), na sua etimologia relacionado com o latim gaudium.

 

3.

Satisfação — neste contexto da alegria, significa que temos o suficiente, o quanto baste para nos dar felicidade.

 

Do latim satisfactio  - formado de satis “suficiente”, “bastante” e da raiz do verbo facio “fazer”, quer dizer “fazer o suficiente, o bastante”, logo “ter êxito” e, portanto, estar contente.

 

4.

Aprazimento é “contentamento”, “satisfação”, “prazer” é o contentamento com algo que me é agradável, que me dá prazer.

 

Da mesma família do verbo aprazer e do adjectivo aprazível, vindos de prazer.

 

Relacionam-se com o latim placere que significa “agradar”, “ser agradável”, “parecer bem”.

 

Aprazimento será, assim, uma alegria calma, serena (a palavra é da mesma raiz de plácido (= calmo, tranquilo).

 

“O que me apraz referir é o facto de se tratar de um local plácido, uma paisagem aprazível que nos dá um enorme prazer partilhar com os amigos”

Da alegria e seus derivados — 1

isa, 01.07.18

1.

Laetitia (substantivo) e laetus (adjectivo) eram, em latim, termos da vida rústica. O verbo arcaico “laetare” significava “fertilizar”, “adubar” a terra.

 

Dizia-se que o animal era “laetus” e a terra era “laeta” para significar que o animal era gordo, que a terra era fértil. Ora isso eram sinais de contentamento para o agricultor, daí ter passado a designar esse estado de alma, essa satisfação. Se os animais eram férteis e a terra produtiva, certamente o agricultor daria um grito de alegria “laetus clamor”.

 

Contém em si a ideia de “desabrochar”, logo, de “expansão de sentimentos”.

 

O adjectivo laetus, depois da sonorização da  dental, deu o português ledo, que nos aparece no primeiro verso do soneto camoniano “aquela triste e leda madrugada” ou no episódio de Inês de Castro d’Os Lusíadas, quando se diz que “a linda Inês” estava “naquele engano de alma ledo e cego” ensinando às ervinhas dos campos do Mondego o nome do seu príncipe amado, D. Pedro.

 

Temos ainda o substantivo “ledice” (= contentamento). Ainda menos conhecido, mas também registado nos dicionários, é “letícia”, de uso poético, para significar “contentamento”.

 

Claro que uma jovem que dê pelo nome de Letícia devia ser, por princípio, uma pessoa alegre, bem-disposta, prazenteira.

 

2.

O vocábulo latino contentus para além de adjectivo é o particípio passado de contineo. Tem, portanto, em si a ideia de “conter” de “abraçar”, mas também de “refrear”.

 

Então está “contente” com alguma coisa aquele que se sente “satisfeito” (no sentido de que tem em si tudo o que lhe basta) e por isso manifesta alegria, satisfação. Está, assim, “contente com pouco”, contente com a vitória” ...

 

Na sua definição de “amor”, Camões, no célebre soneto diz que ele é “um contentamento descontente”

Já Fernando Pessoa dizia que “Ser descontente é ser homem” .

 

3.

Gaudium é outro vocábulo latino que significa “alegria”, “contentamento”, “satisfação”.

 

Nas Tusculanas, Cícero define-o como “um movimento de satisfação moderada, calma e duradoira”, mas, ao contrário, Lucrécio dá-o como “prazer sensual”, como podemos ler nos exemplos apresentados no dicionário de Gaffiot.

 

Relacionado com o verbo “gaudeo”, designa, na verdade, um prazer interior, uma alegria íntima, bem presente no poema que foi adoptado como Hino Académico “gaudeamus igitur”.

 

 “Depois de parte do Jardim do Campo Grande e do Parque Urbano do Vale da Montanha abrirem ao público para gáudio de todos os lisboetas e visitantes da cidade,” (lê-se na imprensa)

 

 4.

Por sua vez, a palavra portuguesa “alegre” deriva de outro adjectivo latino alacer, alacris, alacre que significa vivo, esperto daí a ideia de alegre e risonho, cheio de entusiasmo, bem-disposto.

 

O português   álacre é “alegre, entusiasta, vivo” como aparece no poema de António Gedeão:

 

Eles não sabem que o sonho

É vinho, é espuma, e fermento

Bichinho álacre e sedento

De focinho pontiagudo”

 

 

5.

Jovial vai mais além. Relaciona-se com Júpiter (o genitivo de Iupiter era Iovis, daí o adjectivo Iovialis).

 

Dizemos “ele é uma pessoa muito jovial” (quando queremos dizer que se trata de uma pessoa alegre e prazenteira) ; é cheio de jovialidade.

 

Num poema sobre o Melro, Guerra Junqueiro diz:

 

O melro, eu conheci-o: 
Era negro, vibrante, luzidio, 
          Madrugador, jovial; 

 

Assim cantava Natália Correia:

 

Ledo o meu amigo foi caçar no monte,
Disseram-me as aves que o esperasse na fonte.
Jovial o vento levou-me o vestido,
Soltou-me o cabelo. E o resto não digo.

 

O vocábulo e o seu sentido resultarão da linguagem da astrologia que considerava felizes aqueles que nasciam sob a influência do planeta Júpiter.

 

A palavra entrou no português através do francês que, por sua vez, o terá importado do italiano.

 

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Gaudeamos igitur!

 

Contentes, cheios de alegria e jovialidade!

 

 

Curiosidades linguísticas - Rostrum

isa, 28.06.18

As palavras têm uma história, umas mais interessantes, outras menos...

 

Rostrum era a palavra que designava o bico da ave — daí passou a designar também alguns objectos com a forma de bico, como “ esporão de navio”, “ponta da relha do arado”...

 

Sendo uma palavra do género neutro, no plural é rostra.

 

No Forum Romanum tinha o nome de  ROSTRA a tribuna de onde os oradores falavam ao povo porque estava ornamentada com os esporões (rostra “as proas”) de bronze dos navios tomados ao inimigo na batalha de Âncio, no ano 338 a.C., durante a Guerra Latina.

 

Coluna rostrata era uma coluna ornamentada com esporões — uma foi erigida no comitium em honra de  Duílio, o cônsul que venceu os Cartagineses numa batalha naval durante a 1ª Guerra Púnica.

 

Também foi instituído um prémio pela captura de navios aos inimigos — era uma corona rostrata (uma coroa rostrata) enfeitada com pequenos esporões.

 

Da ideia de “bico de pássaro”, rostrum passou a designar também o focinho de qualquer animal, passando depois a aplicar-se também às pessoas.

 

Daí vem, então, o português ROSTO, já usado no século XIII com a forma rostro.

 

Por extensão passou também a designar o “aspecto” a “frente”, daí a “folha de rosto” de um livro, o “rosto da medalha” (a parte da frente).

 

O vocábulo rostrum entra ainda na composição de palavras da área da botânica e da zoologia.

Cultura Clássica em alta?

isa, 26.06.18

Estará a cultura clássica a ter, finalmente, a valorização que lhe é devida?

Há, pelo menos, alguns sinais positivos.

O exame nacional de 9º ano da disciplina de Português traz bons augúrios para a cultura greco-romana e para o conhecimento do nosso passado histórico. Vejamos:

 

A prova é constituída por 4 grupos de questões.

— No I Grupo, para testar a compreensão oral, o aluno tinha de  ouvir um texto informativo sobre o Templo Romano de Évora para depois responder a questões sobre o que ouviu.

— O II Grupo é constituído por 3 textos.

     - O texto A, extraído da obra pubicada na Faculdade de Letras de Coimbra “Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Herança Contemporânea”, fala dos monumentos da Antiguidade, destacando que já “na Grécia antiga, a experiência do turismo surge, desde os primórdios, associada à religião e ao património artístico e arquitetónico”, o que se comprova pelos textos dos autores da literatura grega e latina, que podem ser considerados “os primeiros guias turísticos”.

    - O texto B é um extracto da Ilíada de Homero adaptada para Jovens por Frederico Lourenço e apresenta-nos os deuses no Olimpo, discutindo sobre o destino de Tróia.

   - O texto C transcreve a estância 40 do Canto I de Os Lusíadas, com a fala de Marte a Júpiter, incitando-o  a enviar o seu mensageiro junto da armada lusa para a orientar na viagem.

— No Grupo IV pede-se ao aluno um texto em que exponha a sua opinião sobre se “é importante estudar o passado da Humanidade”.

 

Claramente uma óptima sequência temática que põe em destaque o valor do passado histórico-cultural, despertando os jovens para o seu estudo.

 

Gaudeamus, igitur!

 

Lentamente, passo a passo, parece que estamos a reverter a situação de esquecimento a que estes estudos foram votados nos últimos anos. Pelo menos ao nível do ensino básico...

 

Começámos, em 2015, pela aprovação de uma disciplina de Introdução à Cultura e às Línguas Clássicas, como oferta de escola, nos três ciclos do Ensino Básico.

No ano lectivo que agora termina foi o projecto “Clássicos em Rede” e as Olimpíadas da Cultura Clássica que alcançou um enorme êxito: vimos escolas empenhadas no estudo dos vários temas propostos, pedido de sessões destinadas a alunos e professores, os alunos a produzirem trabalhos em suportes diversos e a festa, no final, na Faculdade de Letras de Lisboa.

Finalmente, a prova de exame do 9º ano...

 

Aguardemos a continuação destes pequenos/grandes êxitos e que eles se propaguem ao Ensino Secundário e ao estudo das línguas, o Grego e o Latim.