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A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

A cultura e as línguas clássicas

Temas a tratar: o latim e o grego — seu estudo; a língua e a cultura; as origens da língua portuguesa; etimologias; a cultura clássica e a cultura portuguesa

Cultura Clássica em alta?

isa, 26.06.18

Estará a cultura clássica a ter, finalmente, a valorização que lhe é devida?

Há, pelo menos, alguns sinais positivos.

O exame nacional de 9º ano da disciplina de Português traz bons augúrios para a cultura greco-romana e para o conhecimento do nosso passado histórico. Vejamos:

 

A prova é constituída por 4 grupos de questões.

— No I Grupo, para testar a compreensão oral, o aluno tinha de  ouvir um texto informativo sobre o Templo Romano de Évora para depois responder a questões sobre o que ouviu.

— O II Grupo é constituído por 3 textos.

     - O texto A, extraído da obra pubicada na Faculdade de Letras de Coimbra “Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Herança Contemporânea”, fala dos monumentos da Antiguidade, destacando que já “na Grécia antiga, a experiência do turismo surge, desde os primórdios, associada à religião e ao património artístico e arquitetónico”, o que se comprova pelos textos dos autores da literatura grega e latina, que podem ser considerados “os primeiros guias turísticos”.

    - O texto B é um extracto da Ilíada de Homero adaptada para Jovens por Frederico Lourenço e apresenta-nos os deuses no Olimpo, discutindo sobre o destino de Tróia.

   - O texto C transcreve a estância 40 do Canto I de Os Lusíadas, com a fala de Marte a Júpiter, incitando-o  a enviar o seu mensageiro junto da armada lusa para a orientar na viagem.

— No Grupo IV pede-se ao aluno um texto em que exponha a sua opinião sobre se “é importante estudar o passado da Humanidade”.

 

Claramente uma óptima sequência temática que põe em destaque o valor do passado histórico-cultural, despertando os jovens para o seu estudo.

 

Gaudeamus, igitur!

 

Lentamente, passo a passo, parece que estamos a reverter a situação de esquecimento a que estes estudos foram votados nos últimos anos. Pelo menos ao nível do ensino básico...

 

Começámos, em 2015, pela aprovação de uma disciplina de Introdução à Cultura e às Línguas Clássicas, como oferta de escola, nos três ciclos do Ensino Básico.

No ano lectivo que agora termina foi o projecto “Clássicos em Rede” e as Olimpíadas da Cultura Clássica que alcançou um enorme êxito: vimos escolas empenhadas no estudo dos vários temas propostos, pedido de sessões destinadas a alunos e professores, os alunos a produzirem trabalhos em suportes diversos e a festa, no final, na Faculdade de Letras de Lisboa.

Finalmente, a prova de exame do 9º ano...

 

Aguardemos a continuação destes pequenos/grandes êxitos e que eles se propaguem ao Ensino Secundário e ao estudo das línguas, o Grego e o Latim.

 

"O assassinato de Sócrates" de Marcos Chicot

isa, 11.10.17

“Tal como os clássicos perderam o seu modelo de civilização, hoje podemos nós também perdê-lo”

 

A frase é do escritor espanhol Marcos Chicot, autor da novela “O assassinato de Sócrates”, em entrevista que pode ser lida aqui .

 

Admitindo que escreve as suas novelas para dar a conhecer alguma coisa aos leitores, ele que já é autor de outras obras, de que se destaca "O assassinato de Pitágoras", declara a sua admiração pela Grécia clássica:

 

“É uma época fascinante. É uma espécie de milagre, em muito pouco tempo num lugar muito concreto, produziu-se uma explosão prodigiosa nos campos principais do saber, da cultura, do pensamento e em muitos dos campos que consideramos a base da nossa civilização.”

 

Mas, acrescenta:

 

“Aquela civilização de quase dois mil e quinhentos anos é a mais parecida com a nossa. E isso tem que fazer-nos pensar que, tal como os clássicos perderam o seu modelo, hoje podemos perdê-lo nós.”

 

Sobre o seu último livro e o seu apreço por Sócrates:

 

“Todos os ensinamento de Sócrates têm plena vigência, desde a busca do conhecimento até conceitos como a justiça universal”

“Em épocas com um certo nível de progresso pensamos que só podemos caminhar para melhor e a História demonstra que não é assim. Nas situações críticas, quando a prioridade é a sobrevivência, os direitos perdem valor. As crises económicas transformam-se em crises sociais e em crises de valores.”

 

Por isso, quando questionado sobre o desaparecimento da filosofia do curriculum escolar, responde:

 

“Em geral o sistema capitalista, que é muito eficiente, trata de converter as pessoas em unidades de produção e de consumo. E o sistema educativo, infelizmente, está a converter-se num meio para isso. “

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Estudar as Línguas Clássicas - 3

isa, 25.09.17

Neste início de ano lectivo, cumpre-nos reflectir, uma vez mais, sobre a escola que temos, a escola que queremos, a escola que devíamos ter.

 

Deve a escola preocupar-se, apenas, com a preparação do jovem para o mundo do trabalho? É essa a sua função? Ou cumpre-lhe preparar um cidadão integral, crítico e responsável, capaz de discernir por si nas mais variadas situações, um cidadão que não se deixa manipular por uma sociedade toda virada para o presente imediato, para o utilitário e vantajoso, para o financeiramente lucrativo?

 

O escritor e jornalista espanhol Arturo Pérez-Reverte, numa crónica com o sugestivo título “Demasiado lejos de Troya”, publicada na revista XLSemanal de 24 de Setembro, e que pode ser lida aqui, comenta o estudo das línguas clássicas no seu país, lamentando as sucessivas leis sobre ensino que conduziram ao actual estado de abandono de um conhecimento essencial.

 

No seu pais como no nosso (aliás, em Portugal a situação é muito pior...) o estudo da cultura clássica e das línguas latina e grega está a desaparecer, substituído por disciplinas que, na lógica actual, são mais importantes para o futuro dos jovens. Dá um exemplo, comum entre nós (também para pior...), de um amigo, professor num colégio, que não conseguiu abrir um curso de Cultura Clássica por ter poucos alunos inscritos. E assim, escreve ele:

 

“Significa que um curso inteiro de estudantes, nesse colégio e em centenas deles, acabará o ensino secundário sem ter nem uma remota ideia de quem foram Homero e Virgílio, sem saber o que o nosso mundo deve a Sólon, Clístenes ou Péricles, sem recordar Sócrates ou buscar o caminho para casa com Xenofonte, sem compreender as importantes consequências para a Hispânia da guerra que pôs frente a frente Cipião e Aníbal. Sem poder, jamais, desfrutar da beleza, da felicidade, de uma frase perfeita e absoluta como «Nox atra cava circumvolat umbra».

 

E continua:

 

“Numa sociedade resolvida a suicidar-se culturalmente, aconselham-se os jovens brilhantes a estudar só cursos científicos ou de ciências sociais; aos menos hábeis, humanidades; ... Tal é o triste mapa do nosso futuro. E neste afã disparatado de apagar das aulas todo o inútil, as malfadadas leis e reformas educativas... conseguiram que os alunos que com 16 anos podem optar por Humanidades — a minha geração estudava Latim básico e obrigatório com 11 ou 12 anos —, se encontra então, pela primeira vez, com o Latim, porém descafeinado e de uma simplicidade aterradora. Mas essa opção, ainda por cima, está em competição com outras socialmente mais bem vistas: a científico-tecnológica e a profissional, de modo que as suas possibilidades são mínimas.”

 

“ Para não falar do Grego, claro. Em algumas comunidades, no 1º ano do bachillerato podem, é certo, optar por Grego e Literatura Universal. Mas os jovens não são tontos, e sabem que o Grego é difícil e tornará mais complicados os exames nacionais. Assim, adeus para sempre a Homero e companhia. ... gerações de jovens cidadãos a quem se rouba o direito a uma educação integral; lançados no mundo sem saber, e sem se importarem de saber quem foram Arquimedes, Séneca ou Catilina, nem o que de verdade e na sua origem significam palavras com agonia, democracia ou isonomia.”

 

      Ele que foi repórter de guerra, antes de se dedicar inteiramente à escrita, termina deste modo:

 

“Não esqueço que a primeira vez que vi arder uma cidade, Nicósia em 1974, com 22 anos, levava na memória o canto II da Eneida. E nos gregos armados que se despediam das suas famílias reconheci sem dificuldade Heitor, o do elmo flamejante. E é disso que se trata, no fim de contas. Sem o Latim, sem o Grego, sem aqueles professores que me guiaram através deles, nunca teria podido compreender Tróia e quanto hoje significa e esclarece. Ter-me-ia perdido entre os dardos aqueus, na negra e côncava noite, sem encontrar nunca o caminho de Ítaca ou das costas de Itália. Sem o modo de observar o mundo com que hoje vivo, envelheço e escrevo.”